quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

TENS, COMO HAMLET, O PAVOR DO DESCONHECIDO?


“Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?”
Álvaro de Campos



Esse pequeno trecho do poema de Álvaro de Campos (um dos heterônimos de Fernando Pessoa) soa familiar? O desconhecido nos invade todos os dias, em casa, no trabalho, na rua... cada pessoa ou idéia nova, por ser nova, nos causa um certo desconforto. Mente quem diz que não tem medo do desconhecido e da mudança. Mente quem diz que deseja 100% de mudança em sua vida. Aliás, isso só seria possível nascendo novamente, e mesmo assim há controvérsias de ordem religiosa e cultural também para esta afirmação. Mas não quero ir tão longe em minha reflexão. Quero apenas levantar um ponto que considero essencial: o conhecido que desconheço e me amedronta.
Para tanto vou relembrar um filme infantil (com um tema bem adulto) que muitos com certeza assistiram – Monstros S.A.  Num rápido resuminho para não perder a graça e a beleza do filme vou apontar alguns pontos que considero importantes. Pensemos em nossas empresas, hierarquias, nossas metas, nossos processos e fluxos, salas de treinamentos, brigas de egos inflamados, trocas de experiências informais e os mitos internos eternamente alimentados pelas pessoas que compõem esse emaranhado de relações da organização. E qual a finalidade daquela empresa no filme? Provocar medo nas crianças? Não! O medo é a energia que move tudo. A finalidade é gerar energia, e energia é movimento, é mudança. Todos temos monstros no armário prontos a perturbar nosso sossego. E vez ou outra eles saem e fazem um estrago... até que percebemos que o monstro na verdade não é tão feio... é até bonitinho, parece um gatinho. Mas para isso é necessário conhecê-lo, respeitá-lo e se fazer respeitar. Difícil? Muito difícil! Mas disso depende nossa sobrevivência. Quem é monstro teme perder o poder mantido através do medo.
Mas... vamos complicar mais um pouquinho! A quem pertence o medo? Os meus medos pertencem a mim, a mais ninguém. São frutos de minhas fantasias e de minhas experiências. Os meus medos são produzidos e alimentados dentro de mim, desde pequena, e tornados lei. Eu aprendi que tenho que tomar cuidado com quem fala alto, com quem é maior do que eu, mais forte, e tem poder de decisão. Não é assim? Mas também aprendi que ninguém tem sempre razão, que os pais e professores (e depois os gestores e líderes) também erram e... também têm medo. Eu posso lidar com meus medos mas não posso mensurar a dimensão dos medos dos outros, nem suas reações. Mas com certeza o conhecimento é a chave de tudo. O monstro vira gatinho quando eu percebo (e conheço) aquilo que pensava não conhecer. Ou seja... que eu sou dona da mudança que tanto desejo e temo. As mudanças são necessárias mas não posso exigir que todos dentro da empresa recebam as propostas e projetos com o mesmo entusiasmo de quem já visualiza o futuro (conhecimento também é isso). Vale então investir (e muito) na mudança de cultura visando o desenvolvimento das pessoas em todos os níveis, pois se o medo (do desconhecido) gera energia suficiente para paralisar uma empresa, o amor (vestir a camisa é isso – amor) é capaz de reverter até os quadros mais sombrios.
E fica a pergunta... “Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?”

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

RETENÇÃO DE TALENTOS – O CAROÇO DA AMEIXA

Às vezes é bom reler algumas antigas reflexões e ver o que crescemos, o que mudamos e o que continua fazendo todo sentido do mundo. Ver o que faríamos diferente e o que só agora conseguimos apreender o real significado daquilo que até parecia meio “maluquice” fora de hora. Pois bem, lembrei de um texto que escrevi tempos atrás, e fui “pescar” entre meus guardados a forma como pensei em escrevê-lo. É uma experiência interessante...
Pois bem, o texto toma por base uma crônica chamada Edmundo, o Céptico (Quadrante 1, Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1962, pag.122), escrita por Cecília Meireles. Cecília Meireles, além de ser um grande nome na poesia, escreveu quase 2500 crônicas ao longo de sua vida. Vou citar alguns trechos desta crônica e partilhar com vocês uma reflexão que hoje, mais do que nunca, se faz necessária.
Edmundo, o Céptico fala de um menino que não acreditava em nada que os adultos lhe diziam. Era chamado de teimoso quando o seu desejo era simplesmente descobrir suas próprias verdades através de suas próprias experiências. Apesar das recomendações dos adultos, quebrou os dentes tentando extrair o melzinho do caroço de ameixa. Em outro momento quase se afogou numa pipa de água. Fazia muitas perguntas mas não se satisfazia com as respostas. Dava trabalho na escola, nas festas, shows de mágica não tinham sentido para ele. Não admitia mentira e morreu cedo. “E quem sabe, meu Deus, com que verdades?”
É claro que toda crônica retrata um determinado contexto sócio-político e esta retrata uma situação bem peculiar que se experimentava na era Vargas. Mas... será que Edmundo ainda vive? Eu sinceramente espero manter o Edmundo vivo dentro de mim e espero cutucar os Edmundos que encontro em meu caminho. São os Edmundos inconformados com o conformismo do que está pronto. Estes  realmente são possuidores do conhecimento e da verdade. São capazes de arriscar e questionar. Para eles não servem respostas prontas, estas já  foram derrubadas, já não respondem às novas questões. Como diria Bob Marley... quando se pensa que tem todas as respostas a vida se encarrega de mudar todas as perguntas. E aí? Que fazer? Se as únicas respostas são as dos manuais, dos livros ou do Dr. Google, conhecedor de todas as coisas?
Não, Dr. Google não sabe tudo, nem Freud explica, nem todas nossas teorias e paradigmas são suficientes. Às vezes precisamos correr o risco de quebrar os dentes em busca do que realmente faz sentido (o melzinho do caroço de ameixa). Mas muito cuidado, nossa porção Edmundo não nos afasta do mundo, pelo contrario. Por mais que Edmundo não aceitasse tudo que vinha do mundo dos adultos, pertencia a ele, era do mundo (E-d-mundo), apenas tinha uma outra versão e uma outra visão do que experimentava. E tudo que é diferente... assusta, incomoda, desacomoda. Toda mudança aponta para GAPS que nem sempre quero reconhecer... E o resultado todos conhecemos: resistência!
Vocês devem estar se perguntando... onde ela quer chegar com tudo isso?
Pois bem, acho que tenho muito de Edmundo e não consigo ver ninguém confortável. Afinal... todo avanço tecnológico de nossas empresas só aconteceu (e continua a acontecer) por obra de Edmundos inconformados com os recursos (verdades) do seu tempo. E todo gestor sabe disso. Se tentar aprisionar suas equipes em metas e procedimentos sem vazão para a própria experiência logo terá pessoas desmotivadas e pouco colaborativas. E essa é a morte do Edmundo com todas as suas verdades. E esse Edmundo formado em nossas empresas (a um custo altíssimo) vai para a concorrência com todas suas “verdades”. E se encontrar ressonância em outros Edmundos abertos para a mudança...
Cladismari Zambon